Eleição de consenso na Câmara dá estabilidade interna, mas não facilita a vida do governo, apontam especialistas

Favorito na disputa pelo comando da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) tem um arco de alianças que vai do PT ao PL. Presidente terá que fazer acenos à esquerda, mas direita também cobrará pautas conservadoras contrárias ao Palácio do Planalto. A eleição para a presidência da Câmara deve confirmar Hugo Motta (Republicanos-PB) na cadeira mais importante da Casa com o apoio de governistas, mas o Executivo continuará a ter problemas para tentar controlar a pauta do plenário. A exemplo do atual presidente, Arthur Lira (PP-AL), Motta construiu um arco de alianças que engloba partidos de esquerda, centro e direita. Até agora, apenas o PSOL decidiu lançar outro candidato, e anunciou o deputado Pastor Henrique Vieira (RJ) como postulante. Ana Flor: Lula de olho nas eleições de 2026 Especialistas ouvidos pelo g1 afirmaram que, apesar de num primeiro momento o cenário parecer favorável ao governo, a eleição de um presidente com ampla maioria vai manter difícil a tarefa do Palácio do Planalto em emplacar suas pautas e evitar a votação de projetos “ideológicos” da direita. “Presidentes de Câmara que são eleitos com ampla maioria impõem desafios de governabilidade. O futuro presidente da Câmara terá responsabilidade com a pauta defendida por setores da oposição, por partidos que deram sustentação ao governo Bolsonaro”, explicou o cientista político da Universidade de Brasília (UNB) Murilo Medeiros. Lira, embora tenha colocado em votação projetos de interesse do governo Lula, como o novo arcabouço fiscal e o pacote de corte de gastos, também pautou a proposta que limitou a demarcação de terras e fragilizou os direitos dos indígenas. Medeiros afirmou que o governo terá que “redobrar” a articulação política para fazer valer sua vontade na pauta da Câmara. “O futuro presidente, eleito com ampla maioria, com o apoio do governo e da oposição, tende a ter maior independência na condução da agenda da Câmara dos Deputados”. Creomar de Souza, consultor de risco político da consultoria Dharma, um presidente da Câmara eleito de forma quase unânime fortalece da Casa perante os outros poderes. Isso, por outro lado, não favorece a influência do governo nas votações no legislativo. "Esse processo alimenta um descolamento: a Câmara vai se tornando mais robusta que a Presidência da República, mais robusta que o Senado e, em algum momento, talvez, mais robusta que a própria Câmara, se tornando o locus onde se dá a palavra final sobre uma série de temas”, disse. “O Executivo se torna um passageiro desse processo.” Segundo ele, a força das candidaturas de consenso permite esse ganho na correlação de forças. “Muita concentração de votos em torno da figura de um presidente dá muita robustez à Câmara para um enfrentamento ao Senado Federal, como por exemplo não haver ainda um rito para a apreciação de medidas provisórias.” Ele avalia que, nesse processo, a Câmara perde pluralidade. “Há um risco para a própria institucionalidade da Câmara, como o que gente tem visto dos procedimentos normais da Câmara serem atropelados pelo grupo que detém o poder." Base frágil O governo tem uma base frágil na Câmara. Cerca de 130 dos 513 deputados são fiéis ao governo. Esse número, no entanto, é ainda menor a depender do texto em votação, porque o PSOL contraria orientações do governo com frequência na Casa . Por isso, ao longo de 2023 e 2024 muitas das pautas de interesse do Executivo foram negociadas individualmente, por meio da liberação de emendas ou nomeações na Esplanada. Foi assim, por exemplo, que Lula negociou a entrada do PP e do Republicanos, partidos do Centrão, na base do governo. Em troca de governabilidade na Casa, o Republicanos indicou o deputado Silvio Costa Filho para o Ministério de Portos e Aeroportos, enquanto o PP emplacou o deputado André Fufuca (MA) no Esporte. Governistas Deputados governistas e que dão sustentação à pauta do Executivo na Casa minimizaram a questão. Para o líder do PT, Odair Cunha (MG), Motta será presidente da Casa e não da oposição ou da base. “Ele vai garantir o funcionamento democrático, civilizado, institucional, do Poder Legislativo. Essa questão de compor maioria pró-governo, é tarefa do líder do governo. Não tem esforço adicional. É um esforço do governo para compor maioria”. Já a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) criticou as alianças pragmáticas em torno de Motta. “Uma composição contraproducente. Como foi com Lira, que custou caro a várias pautas reacionárias que tramitaram no Congresso sob a gestão de Lira, como o Marco Temporal e projetos anti-movimentos sociais.Traz mais instabilidade com certeza”. A deputada Erika Kokay (PT-DF) pediu atenção da sociedade civil para barrar pautas que representam retrocessos. “Acho que tivemos pautas importantes para o governo aprovadas na Câmara, mas você teve retrocessos, como o Marco Temporal. Penso que é preciso que haja uma organização do governo e da sociedade civil, para barrar essas pautas. A sociedade civil organizada conseguiu, por exemplo,

Jan 23, 2025 - 07:50
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Eleição de consenso na Câmara dá estabilidade interna, mas não facilita a vida do governo, apontam especialistas
Favorito na disputa pelo comando da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) tem um arco de alianças que vai do PT ao PL. Presidente terá que fazer acenos à esquerda, mas direita também cobrará pautas conservadoras contrárias ao Palácio do Planalto. A eleição para a presidência da Câmara deve confirmar Hugo Motta (Republicanos-PB) na cadeira mais importante da Casa com o apoio de governistas, mas o Executivo continuará a ter problemas para tentar controlar a pauta do plenário. A exemplo do atual presidente, Arthur Lira (PP-AL), Motta construiu um arco de alianças que engloba partidos de esquerda, centro e direita. Até agora, apenas o PSOL decidiu lançar outro candidato, e anunciou o deputado Pastor Henrique Vieira (RJ) como postulante. Ana Flor: Lula de olho nas eleições de 2026 Especialistas ouvidos pelo g1 afirmaram que, apesar de num primeiro momento o cenário parecer favorável ao governo, a eleição de um presidente com ampla maioria vai manter difícil a tarefa do Palácio do Planalto em emplacar suas pautas e evitar a votação de projetos “ideológicos” da direita. “Presidentes de Câmara que são eleitos com ampla maioria impõem desafios de governabilidade. O futuro presidente da Câmara terá responsabilidade com a pauta defendida por setores da oposição, por partidos que deram sustentação ao governo Bolsonaro”, explicou o cientista político da Universidade de Brasília (UNB) Murilo Medeiros. Lira, embora tenha colocado em votação projetos de interesse do governo Lula, como o novo arcabouço fiscal e o pacote de corte de gastos, também pautou a proposta que limitou a demarcação de terras e fragilizou os direitos dos indígenas. Medeiros afirmou que o governo terá que “redobrar” a articulação política para fazer valer sua vontade na pauta da Câmara. “O futuro presidente, eleito com ampla maioria, com o apoio do governo e da oposição, tende a ter maior independência na condução da agenda da Câmara dos Deputados”. Creomar de Souza, consultor de risco político da consultoria Dharma, um presidente da Câmara eleito de forma quase unânime fortalece da Casa perante os outros poderes. Isso, por outro lado, não favorece a influência do governo nas votações no legislativo. "Esse processo alimenta um descolamento: a Câmara vai se tornando mais robusta que a Presidência da República, mais robusta que o Senado e, em algum momento, talvez, mais robusta que a própria Câmara, se tornando o locus onde se dá a palavra final sobre uma série de temas”, disse. “O Executivo se torna um passageiro desse processo.” Segundo ele, a força das candidaturas de consenso permite esse ganho na correlação de forças. “Muita concentração de votos em torno da figura de um presidente dá muita robustez à Câmara para um enfrentamento ao Senado Federal, como por exemplo não haver ainda um rito para a apreciação de medidas provisórias.” Ele avalia que, nesse processo, a Câmara perde pluralidade. “Há um risco para a própria institucionalidade da Câmara, como o que gente tem visto dos procedimentos normais da Câmara serem atropelados pelo grupo que detém o poder." Base frágil O governo tem uma base frágil na Câmara. Cerca de 130 dos 513 deputados são fiéis ao governo. Esse número, no entanto, é ainda menor a depender do texto em votação, porque o PSOL contraria orientações do governo com frequência na Casa . Por isso, ao longo de 2023 e 2024 muitas das pautas de interesse do Executivo foram negociadas individualmente, por meio da liberação de emendas ou nomeações na Esplanada. Foi assim, por exemplo, que Lula negociou a entrada do PP e do Republicanos, partidos do Centrão, na base do governo. Em troca de governabilidade na Casa, o Republicanos indicou o deputado Silvio Costa Filho para o Ministério de Portos e Aeroportos, enquanto o PP emplacou o deputado André Fufuca (MA) no Esporte. Governistas Deputados governistas e que dão sustentação à pauta do Executivo na Casa minimizaram a questão. Para o líder do PT, Odair Cunha (MG), Motta será presidente da Casa e não da oposição ou da base. “Ele vai garantir o funcionamento democrático, civilizado, institucional, do Poder Legislativo. Essa questão de compor maioria pró-governo, é tarefa do líder do governo. Não tem esforço adicional. É um esforço do governo para compor maioria”. Já a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) criticou as alianças pragmáticas em torno de Motta. “Uma composição contraproducente. Como foi com Lira, que custou caro a várias pautas reacionárias que tramitaram no Congresso sob a gestão de Lira, como o Marco Temporal e projetos anti-movimentos sociais.Traz mais instabilidade com certeza”. A deputada Erika Kokay (PT-DF) pediu atenção da sociedade civil para barrar pautas que representam retrocessos. “Acho que tivemos pautas importantes para o governo aprovadas na Câmara, mas você teve retrocessos, como o Marco Temporal. Penso que é preciso que haja uma organização do governo e da sociedade civil, para barrar essas pautas. A sociedade civil organizada conseguiu, por exemplo, barrar o PL do estupro”, lembrou a parlamentar. Coordenador da Frente Ambientalista, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) afirmou que, embora Motta tenha se comprometido com pautas da bancada Ruralista, ele prometeu valorizar os debates de propostas nas comissões da Câmara, o que na gestão Lira foi abreviado com um grande número de requerimentos de urgências aprovadas em plenário. “Eu tenho uma expectativa melhor do que tivemos com o Lira. Esses projetos estratégicos importantes para área ambiental são propostas que a gente precisa contar com debate amplo com a sociedade e o Motta vai valorizar os instrumentos da Câmara com espaço para debates dos projetos nas comissões”, afirmou.

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